For you Rex!
Gabeira querido - ver meu livro em suas imaculadas mãos é muito bom. Todos sabemos de sua integridade, suas lutas, seu talento analítico, sua cultura e seu amor à vida.
A última vez que estivemos juntos foi em 1972 ou 73 no Jornal do Brasil. Você dirigia o Departamento de Pesquisa, uma das inovações mais brilhantes do jornalismo brasileiro - e por onde eu passei rapidamente antes de ir para o Caderno B, dirigido pela Marina Colasanti, de recente saudosa lembrança. Ágil, mesmo baixinho, você era um Deus na redação; enquanto eu, de estatura normal, era um mal notado santinho. ...Eram os tempos do lead e sublead, uma importação da imprensa norte-americana, e meu texto era inconvenientemente, digamos, demasiadamente artístico. Testado a compor um texto sobre o Louis Armstrong, o iniciei com uma frase célebre do cantor à Rainha, presente em sua estreia no Albert Hall, em Londres, quando, empunhando o saxofone em direção ao camarote de Elizabeth disse:
- For you, Regina!
Bem, parece que você não gostou do meu lead, pois escolheu a Verinha Gertel, uma atriz talentosa e mui aguerrida, para ocupar a única vaga de sua editoria. E não foi porque ela era aguerrida, pois àquela altura eu já sofrera três punições da Ditadura. Se não me engano você comentou que eu devia adquirir mais experiência, que eu prometia, essas coisas. E você tinha razão, eu tinha só vinte e poucos anos, embora a abertura da minha matéria recusada fosse, convenhamos, bem boazinha.
Bem; acho um absurdo, uma vergonha, os Estados Unidos proibirem sua entrada no país, só porque você sequestrou o embaixador americano. Foi justo, havia uma guerra desigual, o espião-inimigo foi bem tratado, trocado com vida por muitas vidas, e, em resumo, perdem os Estados Unidos, muito, não você. Ademais, assim como “este homem” não é “o Homem", os Estados Unidos eram, são e serão muitos, se sobreviverem às loucuras dos tempos decadentes, assim como nós.
Hoje, você, benquerido amigo, um pouco mais velho que eu, continua um deus, agora um deus-sol; enquanto eu, aos 83 anos, só peço aos céus mais uns 5 anos de vida para conseguir pintar e escrever bem.
Em sua homenagem, Gabeira, em tributo a seu amor pela natureza, e, constatando sua atração pelos americanos, pois como explicar aquela paixão pelos leads e subleads, e mesmo o seu famoso alvo revolucionário …transcrevo este trecho da minha Imaculada /A Amazônia que nos deu à luz, com toda admiração e carinho:
"E foi quando Helena, minha melhor amiga e maior inspiração, contou-me que Ford, o Henry, a quem Murilo Mendes, o saudoso poeta da Via del Consolato, 6, Roma, chamava de Inimigo Público Número 1 do Século XX (e que eu estendo ao XXI; era amigo de Ted Roosevelt, o sangrento safarista matador de onça, a quem pediu ajuda e, claro, ofereceu sociedade para um projeto colossal de plantação de seringueiras na Amazônia, garantia de borracha para os pneus de seus automóveis, a que chamaria Fordlândia e, depois, Belterra - pois, pra variar, a sua grande América estava em guerra. Derrotado nas eleições presidenciais americanas e na esperança de poder matar uns mil macacos-prego durante o colossal desmatamento necessário à plantation, e de novas matanças de dezenas de onças (no Mato Grosso, de uma só feita, ele matou trinta - Ted aceitou e facilitou ao amigo recursos e logísticas, também colossais, para o enorme empreendimento. Acontece que Helena, protegida e discípula de Afrodite, amava extremadamente o seu luxuriante reino vegetal, e, indignada com a petulância irresponsável dos dois ricaços americanos, inventou a lixiviação, um sortilégio maravilhoso que fortalecendo a fragilidade do solo o protegia eficazmente e que consistia, como diz o nome, em lavar o chão da mata do lixo que a substituíra. E assim foi. Era uma vingança, mas antes uma lição de paciência que as duas belas senhoras davam ao mundo. Mas, a América, sejamos justos, era também a Belterra, e tanto que Murilo, que de tão católico morava a duzentos passos do Vaticano, pediu ao Papa que protegesse a Amazônia e seus fabulosos rios e, não bastante, como exemplo para a sua geração e as futuras, que canonizasse os vinte e cinco americanos mais notáveis como padrinhos e madrinhas dos vinte e cinco maiores rios amazônicos, e assim foi feito: Touro Sentado batizou o Amazonas, John Harvard o Nhamundá, Joan Baez o Napo, Angela Davis o Javari, Henri Thoreau o Jandaiatuba, John Steinbeck o Iça, Carl Sagan o Jutaí, John Singer Sargent o Juruá, Sacco e Vanzetti o Japurá,Thimoty Leary o Tefé, Martin Luther King o Coari, Marilyn Monroe o Piorini, James Dean o Purus, Cole Porter o Negro, Thomas Edison o Madeira, Muhammad Ali o Manacapuru, Rosa Park o Uatumã, Louis Armstrong o Trombetas, Georgia O’Keeff o Tapajós, Norman Rockwell o Curuá, Jackson Pollock o Maicuru, Rosalynn Carter o Jari, Edwin Hubble o Uruará, Mark Twain o Paru, e, abrindo uma bela exceção, Charles Chaplin (era inglês; apadrinhou o Xingu."