O jornalista da Globo News, Otávio Guedes, sorri com um exemplar de Imaculada / A Amazônia que nos deu à Luz - e o autor trascreve trecho do livro pleno de
Afrodite e Delamares
Otávio Guedes, que honra!!! Felícíssimo aqui com o seu apoio. O Guedinho, voces sabem, é jornalista pra jornalista nenhum botar defeito. Ele ganhou dois Prêmios Esso de Jornalismo e o Awards of Excellence, da Society for News Design. Nada maior, nada melhor. Ademais, Otávio Guedes tem a graça do humor; ou seja, diz sorrindo pra que todos riam - e o sério fica ainda mais sério. Pura arte.
Soube, e não é por menos, que ele gostou de tudo que já conseguiu ler das 682 páginas de Imaculada / A Amazônia que nos deu à luz, obra literária de humor e mui bondoso terror. Especialmente o que conto a seguir, uma estória engraçada pra entrar pra História, seriamente; passada no Marajó, às páginas 471 do já amadíssimo livro:
"Afrodite amava Helena que amava mamãe que me amava e não amava papai. Ela nasceu do paaá de uma rosa lótus amazônica que caíra no lago do Nhamundá, espumando beleza e sensualidade. A espuma era o gozo da rosa com o lótus, sendo que a rosa era masculina e feminina e o lótus masculino. Assim, Afrodite teve dois pais e uma mãe, mas isso pouco importa. Ela era filha do trovão e nasceu num dia iluminado na ilha de Marajó, sem nenhum cortado de dor. Logo que nasceu, sua beleza era tanta que as Amazonas a escolheram rainha. Afrodite protegia Helena, que protegia, à época, a diluvial floresta da maior ilha pluvial do mundo, repleta de árvores colossais e milhões de goiabeiras. No mesmo dia e lugar, só que à meia- noite, nasceu também Delamares. Contam que, quando Delamares nasceu, uma coruja lancinou um pio tão ‘stridente e desgarrido que toda a Amazônia ‘stremeceu pelo horror do porvir que suscitara.
Como Afrodite, Delamares resultara também da espuma, só que do sexo indecente de uma sapearia de rãs. Ao contrário de Afrodite, deusa da beleza, Delamares era fundamentalista-extrativista, meio psicótica, ingluviosa e muito feia, e tanto que muitos a chamavam de bruxa gulosa. Ao contrário de Afrodite, que era sóbria e só comia ‘strofarias e ambrosias, Delamares empanturrava-se de goiabas, às centenas, todo dia que achava santo, o que lhe provocava visões de fantasmas trepados nas goiabeiras. Afrodite amava dançar o carimbó com mamãe e Helena. Delamares detestava, não dançava nem sozinha. Afrodite, cuidadosamente, recolhia as penas caídas dos guarás e as dava à mamãe, que se ornava como a ave do paraíso que era. Delamares tinha um péssimo gosto. Diziam que seu prato preferido era goiabada com camarão. Arre! Essa ideologia natural de opostos, do bem contra o mal, com certeza, estava na origem da guerra de Troia do Marajó. Afrodite era pelos bichos e pela mata, Delamares, associada a um tal de Nunes (acho que era esse o seu nome; matou os bichos, derrubou a mata e encheu a ilha de búfalos, uma raça bovina muito feia e exógena e que comia até as rãs, então abundantes no solo pisoteado e alagado do Marajó. Delamares não suportava os poderes outorgados por Tupã à Afrodite. A beleza da deusa ela ainda relevava, pois vaidosa e irrealista, Delamares acha-se linda, ainda que seus olhos esbugalhados incomodassem as multidões. Entre os dons de Afrodite que mais irritavam Delamares, estava o poder de criar e dar vida ao muiraquitã e, com isso, poder ‘scolher os homens com quem trepar. Delamares não trepava. Preferia rezar. E rezava tanto, tanto, que os tais fantasmas, de fato, lhe atendiam o chamado, aparecendo entre as goiabas que dia a dia mais comia. Os fantasmas e, é claro, toda sorte de sacanagens sexualizadas. Até que papai, que nunca pensava nada direito, achou que dizer que Afrodite era mais bela que Delamares, e que os fantasmas não existiam, e nem as sacanagens que ela fakenoticiava, o que acabou por começar a tal guerra que dura até os dias de hoje, destruindo cada dia mais a primorosa mata que vicejava no Marajó e as ‘splêndidas igaçabas, antropomórficas e zoomórficas, que Wallace & Bates levaram para o Museu Britânico e que agora queríamos de volta."